Currículo maior nem sempre é melhor

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(Gazeta do Povo em 06/03/2012)

Desde o começo de 2011 tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que obriga a inclusão da Educação Ambiental e da Educação no Trânsito como disciplinas obrigatórias no ensino fundamental e médio de todas as escolas públicas e privadas do país. Outras 250 propostas de mudança curricular também aguardam a aprovação dos parlamentares.

A grande quantidade de projetos levanta a discussão sobre a qualidade da formação na educação básica diante de um currículo abarrotado de conteúdo. Se de um lado acredita-se que assuntos relevantes à sociedade precisam ser levados à sala de aula – já que a escola costuma ser apontada como solução para os problemas –, do outro, o in¬¬chaço curricular pode acarretar na redução da carga horária de disciplinas básicas como Português, Matemática e História, o que pode fazer falta na formação do estudante.

Para a secretária municipal da Educação do Rio de Janeiro, Claudia Costin, o impacto no currículo básico é comprometedor, pois são os conteúdos tradicionais que dão ao aluno a capacidade de escrita, espírito crítico, investigação e raciocínio lógico – a base para que o estudante seja capaz de analisar e refletir sobre qualquer outro assunto. “No Brasil, a carga horária fica entre quatro e cinco horas por dia, o que é muito pouco. Com mais disciplinas, teríamos de reduzir o tempo das que existem ou entrar em outra questão complicada: a educação integral para dar conta de tudo”, diz.

Outro aspecto que Claudia acredita ser um problema é a quantidade de analfabetos funcionais no país: 20% dos brasileiros, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se não há nem o domínio da leitura e da escrita, o ideal é que se invista nisso e não em novos conteúdos que talvez nem sejam compreendidos sem o domínio das capacidades básicas.

TEMAS TRANSVERSAIS- O que se faz hoje em grande parte das escolas do país é a inclusão de temas transversais em outras disciplinas, não como uma nova. Desde 1997, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) incorporou os chamados temas transversais – Ética, Saúde, Meio Am¬¬biente, Orientação Sexual e Pluralidade Cultural – em todas as disciplinas existentes, ficando a cargo de cada escola abordar o tema de acordo com seu projeto pedagógico.

As escolas do Paraná adotam essa interdisciplinaridade, abordando os temas ao longo do ano. “Nós acreditamos que estes assuntos não estão descolados dos tradicionais e por isso não devem ser disciplinas isoladas”, explica a coordenadora o de Ensino Fun¬¬damental do Departamento de Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação (Seed), Eliane Bernardi Benatto. Entretanto, desde 2007, foram propostos sete novos conteúdos – como Cultura Afro-Brasileira e Indígena e Direitos das Crianças e dos Adolescentes –, que também foram incluídos como parte dos conteúdos tradicionais.

As escolas tiveram de encaixá-los sem estender a carga horária. “Neste caso, podemos cair em um problema que é o da hipertrofia escolar e, com ela, ter de manter a concentração e atenção do aluno, o que nem sempre é fácil”, comenta a professora do curso de Pedagogia da Universi¬¬dade Positivo (UP) Ivana Cristina Lima de Almeida. Novos temas têm de estimular a reflexão – Educadores temem que os assuntos transversais se tornem parte de projetos utilitários e deixem de fazer parte de discussões amplas e reflexivas, como seria o ideal. “O perigo é o aluno discutir um tema buscando só a solução para um único problema e não pensá-lo de forma reflexiva e abrangente”, diz a coordenadora da Integração das Licenciaturas da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), Marlei Malinoski. Porém, a ideia de um único projeto envolvendo todas as disciplinas com temas transversais não é completamente rejeitada. Algumas escolas acreditam na sua eficácia. Na escola do Serviço Social da Indústria (Sesi), por exemplo, a cada bimestre um tema da atualidade é escolhido pelos professores para que os alunos reflitam sobre ele. “Nós acreditamos que as oficinas dão condição ao aluno de dialogar, interpretar, analisar e negociar conflitos”, explica a gerente de Operações Inovadoras do Sesi, Lilian Luitz.

AUTONOMIA – Outra questão é a autonomia que as escolas têm para tratar os assuntos, já que não há um modelo curricular definido como nas disciplinas tradicionais. Nas escolas estaduais, por exemplo, um tema pode ter mais destaque do que outro, dependendo da necessidade dos alunos e da comunidade. Essa percepção fez com que o Colégio Estadual Pinheiro do Paraná, em Curitiba, decidisse trabalhar em 2011 o tema respeito e valorização do espaço físico.

A diretora Maria Rigonato Vanei conta que, diante da falta de cuidado de alguns alunos com o espaço escolar e da ausência de valores de cidadania, o assunto foi en¬¬caixado em todas as disciplinas. “Não significa que os outros [te¬¬mas] sejam deixados de lado, mas é uma questão de enfoque para res¬¬ponder às necessidades da co¬¬munidade escolar. Os temas transversais, como conteúdo e não co¬¬mo disciplina, permitem isso”.